1.250 lb de pura fúria: os bastidores técnicos da captura de um gigantesco tubarão-mako em Montauk em 1977

🎣 Lead Pesqueiro Técnico
Em 28 de julho de 1977, os irmãos e lobstermen norte-americanos Kim e David Lester trocaram as armadilhas de lagosta por harpoons a bordo da embarcação de trabalho Theresa, de 11,3 m, e partiram rumo ao talude continental ao sul-sudeste de Montauk Point, Nova York. O objetivo era encontrar esgrimas (Xiphias gladius), mas um enorme dorso negro, observado a aproximadamente 305 m de distância, transformou o dia em um marco da pesca de tubarão. O golpe de um harpoon bem colocado desencadeou um combate de seis horas que resultou no içamento de um Isurus oxyrinchus de 567 kg, um dos maiores makos já registrados. O feito, relatado originalmente pela revista Outdoor Life em março de 1978, tornou-se referência para quem estuda técnicas, equipamentos e a biologia dessa espécie que figura hoje entre os mais cobiçados — e ameaçados — troféus da pesca oceânica esportiva.

🐟 Características da Espécie / Técnica
Isurus oxyrinchus, conhecido no Brasil como anequim ou mako-anão, pertence à família Lamnidae — mesma linhagem do grande branco — e destaca-se pela hidrodinâmica extrema: pedúnculo caudal estreito, quilhas laterais bem definidas e nadadeira caudal em forma de crescente conferem velocidades superiores a 70 km/h em investidas curtas. A adaptação ao endotermismo regional (rete mirabile) permite-lhe manter a temperatura da musculatura vermelha alguns graus acima da água, otimizando explosões de energia para caçar marlins, broadbills e atuns. Na IUCN a espécie é listada como “Em Perigo” (EN) no Atlântico Norte, e, no Brasil, figura no Anexo II da Instrução Normativa MMA nº 05/2022, que regula a captura incidental e proíbe o desembarque de fêmeas prenhes.

No caso narrado, o animal apresentava 2,29 m de perímetro (medido antes da pesagem) e carregava no estômago um swordfish de 68 kg, evidência direta do hábito de atacar presas grandes pela zona caudal, imobilizando-as antes de consumir o ventre — comportamento frequentemente descrito em literatura ictiológica.

🎯 Equipamentos e Configuração
Fonte original menciona duas configurações distintas:
1) HARPOON PROFISSIONAL — cabeça destacável ligada a 914 m (1.000 yd) de cabo de polipropileno 12 mm, acondicionado em caixa de madeira para liberação livre. Essa tática se assemelha às operações comerciais de harpoagem de espadarte praticadas em Açores e Nordeste brasileiro nos anos 1970.
2) PESAGEM E TRANSPORTE — cabo preso ao loggerhead da popa, técnica que distribui carga de tração na travessa, fundamental para embarcações de menor porte.

Para contexto atual de pesca recreativa do mako em stand-up, a configuração mais comum inclui:
• Vara de grafite/e-glass 1,65 m, classe 80–130 lb (36–59 kg), ação parabolic-fast;
• Carretilha de alto drag com dois estágios, capacidade para 800 m de linha multifilamento PE 10 (≈ 0,43 mm) ou monofilamento 100 lb (45 kg);
• Leader de aço 400 lb (181 kg) de 3 m, crimpado;
• Anzol círculo 16/0 soldado, minimizando a perfuração interna e facilitando soltura.

🌊 Condições Ambientais e Localização
O talude continental de Montauk registra, no verão boreal, temperatura superficial entre 20 °C e 24 °C, forte termoclina a 30–40 m e presença de correntes de bordo quente da Corrente do Golfo. As longitudes informadas — cerca de 19 km da costa — coincidem com áreas onde cardumes de cavalinha-atlântica (Scomber scombrus) formam agregações alimentares para makos juvenis e adultos. Visibilidade de 15 m e mar calmo (“blue and balmy”) favoreceram a detecção do dorso na superfície, condição típica de tubarões em termorregulação pós-alimentar.

⚙️ Técnica de Pesca Detalhada
Harpoagem à deriva (“drift harpooning”) exige aproximação silenciosa a partir da popa, mantendo a embarcação paralela à linha de natação do peixe. Ao reconhecer a ausência da nadadeira caudal projetada acima d’água — característica dos swordfish em repouso — Kim Lester suspeitou de tubarão. O arremesso do harpoon foi feito a 4–5 m, mirando a região pós-dorsal para maximizar fixação sem atingir órgãos vitais, reduzindo a chance de o animal partir o cabo. Uma vez cravado, o mako mergulhou em ângulo descendente, típica resposta de fuga. A recuperação alternou “hand-lining” e “back-down”, operação em que o timoneiro engata ré para reduzir tensão no cabo. Quando o tubarão irrompeu fora d’água — saltos de até 6 m relatados — o amortecimento do cabo evitou que a força de impacto arrancasse o harpoon. Esse comportamento aéreo, aliado a rotações longitudinal-axiais, confere-lhe reputação de “acrobata dos lamnídeos”.

📊 Resultados e Performance
O exemplar de 567 kg manteve resistência durante seis horas, desgaste similar ao de grandes marlins acima de 450 kg em modelos de dissipação de ácido lático. A captura foi içada pela cauda em guincho de doca e homologada extra-oficialmente como um dos cinco maiores makos do Atlântico, superando inclusive o recorde IGFA da época (481 kg, 1970). Entretanto, não foi submetida para aferição oficial.

Outros registros complementares:
• Recorde norte-americano: 471 kg (Paterson, NJ, 18/07/1977) em carretilha 130 lb;
• Recorde mundial IGFA atual (linha): 494 kg em 2013, Laguna Niguel, Califórnia.

🏆 Torneios e Competições
Embora a narrativa enfoque pesca comercial/experimental, o episódio impulsionou o “Montauk Mako & Thresher Tournament”, criado em 1978 com base em capturas de Frank Mundus — ícone que celebrizou a espécie ao lado de marlins e atuns na seleta lista de “big-game”. Vale lembrar que a IGFA inclui o mako entre as espécies alvo do troféu Royal Slam.

⚖️ Legislação e Conservação
Baseando-se nas informações técnicas disponíveis e conhecimento especializado da modalidade, cabe ressaltar que a Comissão Internacional para Conservação do Atum Atlântico (ICCAT) estabeleceu, a partir de 2022, moratória de desembarque de mako no Atlântico Norte, exigindo soltura imediata — medida ainda sem reflexo pleno nas normas brasileiras, mas aplicável a embarcações nacionais que operam ao norte do Equador. O Ministério da Pesca e Aquicultura recomenda:
• Liberação de exemplares vivos;
• Registro obrigatório em mapas de bordo;
• Proibição de “finning” (Portaria Ibama nº 121/2023).

🎓 Dicas dos Especialistas
Frank Mundus, capitão do lendário Cricket II, defendia o uso de engodo (“chum”) à base de vísceras de atum para concentrar makos em raio de até 800 m. Ele recomendava anzóis circulares para minimizar danos e mantinha rifle calibre .22 para abater exemplares perigosos a bordo — prática hoje vetada em torneios catch-and-release. Mundus alertava que saltos podem ultrapassar 10 m, razão para manter cockpit livre de objetos e utilizar cintos de segurança em cadeiras de combate.

Para pescadores brasileiros interessados em capturas científicas (marcação-soltura), biólogos do Projeto Mako Tag-Brasil indicam:
1) Líder de 2 m em aço revestido 300 lb ligado a swivel de rolamento;
2) Tag Streamer padrão NOAA aplicado imediatamente atrás da primeira dorsal;
3) Fotografia lateral para estimativa de comprimento total via software “FishRuler”.

🔮 Conclusões Técnicas
A captura do anequim de 567 kg pelos irmãos Lester é caso clássico que ilustra três pilares da pesca de tubarões de grande porte: capacidade de identificação rápida da espécie, emprego de equipamento dimensionado à massa do animal e domínio das manobras de embarcação para mitigar ruptura de cabo. O relato reforça a fama do mako como o mais atlético dos lamnídeos, capaz de saltos múltiplos e ataques imprevisíveis, atributos que justificam sua ascensão ao panteão dos game-fish. Todavia, a sobrepesca recente, evidenciada pela queda de 90 % no índice padronizado de abundância (CPUE) no Atlântico Norte, exige mudança de paradigma: da exploração extrativa para a pesca responsável orientada à pesquisa e ao turismo de observação. Ao incorporar protocolos de soltura seguros, uso de anzóis circulares e marcação científica, o pescador moderno garante que histórias tão grandiosas quanto a de 1977 continuem a ser escritas — agora com o mako vivo para protagonizar novos saltos no vasto azul.